segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Eu sou um projector de vídeo, pois claro

David Neto conseguiu descobrir e revelar a faceta erótica deste humilde aparelho
O espanador chega a sítios que eu nem me lembrava que existiam em mim. O pulso firme e experiente combinado com o toque suave dos dedos remetem uma energia que percorre o pequeno pedaço de plástico, todas as penas artificiais ao mesmo tempo e chega à minha caixa de maneira tão relaxante e ao mesmo tempo tão viva que não sei se hei de adormecer ou ficar irrequieto. Todos os meus botões superiores são minuciosamente limpos, tanto na sua posição inicial como carregados para baixo. Não existe melhor sensação do que o indicador esquerdo da Dona Elvira a carregar no meu botão de AV enquanto o espanador percorre as arestas desse mesmo botão, passando as suas penas para o interior da caixa e quase me tocando nos circuitos. Ai Elvira, se fosses uma mulher bonita... Temos esta relação à coisa de três anos, desde que eu cá cheguei. Todas as tardes ela entra na sala, aspira o chão e limpa as mesas, e trata de mim no fim. Passa todos os dias 10 minutos a tirar-me o pó com massagens e a polir-me. Nunca diz nada, mas eu sei que ela adora fazer isto. Sinto a paixão que ela coloca no espanador e o calor que sai por aquelas penas falsas e me passa uma energia profunda. Às vezes pesa-me a consciência e sinto-me como se estivesse a vadiar. Prometo a mim próprio que não a vou deixar tocar-me assim outra vez, mas nunca consigo. Com a vida que tenho, é impossível resistir.
O que eu gosto mesmo é quando vem alguém mexer em mim pela primeira vez. Estou eu sozinho, em cima de uma mesa, e um desconhecido vem por traz de mim e insere bruscamente o cabo de alimentação, fazendo percorrer entre todos os meus circuitos uma corrente eléctrica que me deixa excitado da lente às entradas. Normalmente, depois deste início exaltado, o desconhecido tem muito mais calma e delicadeza a enfiar o cabo VGA de 24 pinos. Alinha a ponta do seu cabo macho às paredes da minha entrada e eu sinto logo a informação a passar pelos pinos, um de cada vez. Depois, com um toque firme, o desconhecido gira os parafusos do cabo com o polegar e o indicador até estes se introduzirem completamente dentro de mim. Por esta altura já nos conhecemos tão bem que ele desliza os seus dedos pela minha traseira e pelas minhas costas até chegar ao meu botão On. Às vezes o desconhecido provoca-me, fica ali a acariciar a saliência nas minhas costas durante algum tempo, sem carregar totalmente para baixo. Eu, cheio de informação dentro de mim, penso sempre que não vou aguentar e que me vou ligar automaticamente, explodindo números e barras e fotos e vídeos para o ecrã branco à minha frente. Mas até agora tenho resistido sempre. Deve ser do treino. O ritual acaba sempre com o desconhecido a girar suavemente o meu anel para o lado onde a informação projectada fica mais focada. Por muito relaxante que isto seja, nunca me consigo abstrair do facto que depois da imagem estar pronta, o desconhecido deixa-me e vai sentar-se no seu lugar, sem me dizer nada.
Passa tanta gente gira à minha volta. Alguns olham, de certeza que pensam nisso, mas poucos me tocam. São capazes de estar horas a fio a acariciar uma data de botões com letras diferentes enquanto olham para um ecrã mínimo à sua frente, mas não saem do seu lugar para virem mexer em mim. Eu faço tudo por todos eles, mas só meia dúzia de gatos pingados é que me giram o anel ou me carregam nos botões de vez em quando. Eu emano um cheiro tão bom quando projecto qualquer coisa. A única coisa que quero é amor, o mais físico possível. Será que já ninguém trai os maridos ou as mulheres?

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